DesignaçãoHospício de São RafaelCódigoLxConv089Outras designaçõesHospício de São Rafael de LisboaMorada actualRua da Adiça, 2-4; Rua da Galé, 1; Largo de São Rafael, 6-10SumárioO Hospício de São Rafael, única casa dos Clérigos Marianos da Imaculada Conceição em Lisboa, localizava-se no Largo de São Rafael, em Alfama (antiga freguesia de São João da Praça). Foi fundado cerca de 1780 no local da antiga igreja Paroquial de São Pedro (inicialmente construída no final do século XII, refundada em 1344 e destruída pelo Terramoto de 1755) que, já parcial ou totalmente reconstruída, é aproveitada para templo do hospício.
Extinto em Maio de 1835, a Fazenda Pública toma posse dele no mesmo mês. Pouco depois, a igreja e o edifício do hospício são demolidos para, em seu lugar, ser construído um prédio de habitação que conserva ainda alguns dos elementos primitivos, nomeadamente o portal e o janelão da igreja.Ordem religiosaGéneroMasculinoData de construçãoc. 1780Data de extinção1834-05-30Componentes da Casa Religiosa - 1834Hospício IgrejaSituaçãoHospício - Vestígios Igreja - Vestígios
Enquadramento históricoA Congregação dos Marianos da Imaculada Conceição foi fundada em 1673 na Polónia pelo padre Estanislau de Jesus Maria Papczynski. No início de 1752 recebe uma carta do padre português António de Sousa Salazar Teixeira «na qual se pedia a vinda de dois religiosos marianos para Portugal, a fim de aí fundar uma ordem dedicada ao culto da Imaculada Conceição. O projecto foi falsamente apresentando como se fosse autorizado e correspondesse a um desejo expresso do próprio Rei D. José I» (ROSA, 2010, p.215). Uma vez chegados a Lisboa, os dois religiosos rapidamente perceberam que «o projecto da fundação [...] nascera exclusivamente das ambições pessoais do Pe. Salazar e que não havia qualquer desejo nem aprovação régia ou eclesiástica.» (IDEM) Um dos religiosos decidiu regressar à Polónia tendo o outro (Frei Casimiro) se mantido em Portugal onde iniciou as diligências para a fundação de uma casa religiosa no país, que ocorre dois anos depois em Balsamão (Trás-os-Montes), já após a súbita morte do religioso. No decorrer das décadas seguintes, fundam outras casas religiosas no norte do país (Algoso e Sedovim) e um hospício em Lisboa, no bairro de Alfama.
Dedicado a São Rafael, a relativa curta duração no tempo desta casa religiosa lisboeta faz com que sejam particularmente escassos os dados acerca da sua história, o mais relevante dos quais aquele que se prende com o facto de a sua implementação ter ocorrido no terreno originalmente ocupado pela Igreja Paroquial de São Pedro, um dos mais antigos templos da cidade, datando a sua primeira fundação de 1191 e a segunda de 1344 (ARAÚJO, 1993, X, p. 49). O Terramoto de 1755 provocou a sua quase completa destruição, «ficando somente em pé a parede da parte do Evangelho com a capela da Irmandade de Santa Cruz e Almas» (MATOS e PORTUGAL, 1974, p. 324). As celebrações religiosas passaram temporariamente a decorrer num armazém próximo do Chafariz d'El Rey, «porém sendo precisa a casa, ou armazem para se continuar a planta da nova Alfandega, mandou El-Rey, que a Junta da Mesa do Bem Commum, e Commércio, fizesse a decente accommodação para a Paroquia. Esta se fez exactamente na antiga Igreja, com toda a promptidão, grandeza, e segurança, para a qual se transferio o Sacramento com huma Procissão Solemnissima em 19 de Março dia do Senhor S. Joseph do anno de 1757» (CASTRO, 1763, III, p. 399). Não obstante, a paróquia de São Pedro transitou para Alcântara no contexto da divisão paroquial de 8 de Abril de 1770 que surge como consequência da breve de Benedito XIV de 19 de Agosto de 1756 que «autorizou que as paróquias, colegiadas e outras igrejas seculares que se achassem arruinada, ou situadas em lugares que servissem de detrimento aos seus paroquianos, se transferissem para outros lugares mais cómodos, próprios e mais decentes» (SILVA, 1954, I, pp. 197-198).
Assim, com esta transferência e consequente absorção do espaço físico pela vizinha paróquia de São João da Praça, em 1770 a igreja de São Pedro encontrar-se-ia vazia e sem qualquer uso. Terá sido por iniciativa de D. Maria I que foi dada à Congregação Mariana da Imaculada Conceição a mercê de ali estabelecerem um hospício, aproveitando a «igreja reparada para sua capella» (PEREIRA, 1927, p. 185). A sua fundação datará de cerca de 1780 (IDEM), dado corroborado pelo facto de existir já registos de casamentos ocorridos na sua ermida em finais de 1785. Tal facto torna o Hospício de São Rafael na penúltima casa religiosa a ser fundada em Lisboa, apenas ultrapassado pelo Convento da Visitação de Nossa Senhora, fundado em 1784.
A mais vasta descrição do edifício que parece existir é a que faz em 1833 Luiz Gonzaga Pereira, afirmando a semelhança com a antiga igreja ao afirmar que «nossos antigos pais nos afirmão que a torre ainda he a mesma que se vê na Igreja de S. Rafael [...] e o alçado dizia ser o mesmo com pouca diferença» (IDEM, p. 476). Descreve o templo como tendo uma «planta [que] pode acomodar 300 fieis [...] [possuindo] 3 capellas com a primaria, aonde está collocada a imagem de S. Rafael Archanjo [que transitou para a Igreja Paroquial de São João da Praça em 1835]; e duas laterais: da esquerda S. Domingos, na direita N. Sr.ª da Conceição; as quaes se conservão com muita descencia, bem como a igreja (IDEM, pp. 185-186). Refere igualmente que a «igreja não he ornada de pinturas de clace alguma; não possue quadros nem outro algum objecto deste ramo; suas paredes são guarnecidas de branco, e o tecto he de esteira, menos o da capella mór, e os seus retabulos herão de muito sofrível dezenho, muito prencipalmente o da capella mór. [...] He hum simples hospício, o qual sempre se conservou com muita descencia; a Igreja era muito simples, e hera muito semilhante á capella de Nossa Senhora da Glória, do Cardal da Graça» (IDEM, p. 187). No entanto, a perspetiva da gravura que acompanha o texto parece ser pouco fidedigna.
À semelhança da maioria das casas religiosas masculinas (exceção feitas às das posses estrangeiras) o hospício é extinto em 1835, encontrando-se em funcionamento durante pouco mais de meio século. Possivelmente devido à pouca riqueza ostentada e principalmente por se encontrar a escassas centenas de metros de duas igrejas paroquiais (São Miguel e São João da Praça), o edifício foi integralmente demolido poucos anos depois de a Fazenda Pública dele ter tomado posse, construindo-se em seu lugar grande propriedade de cazas de 3 ou 4 andares, sendo o local da porta do edificio o sítio da porta da Igreja, cuja cantaria é a mesma com diferente forma (PEREIRA, 188). Na fachada deste novo edifício foram incorporados alguns dos principais elementos da igreja, nomeadamente o portal de entrada (encontrando-se atualmente na fachada principal, voltada ao Largo de São Rafael, servindo no decorrer da primeira metade de novecentos como entrada principal para o estabelecimento comercial existente no piso térreo - uma panificadora) e o janelão que existia ao centro da fachada principal do templo (hoje uma janela de um dos apartamentos do primeiro andar do edifício).
No final da década de 1930, Norberto de Araújo refere que, no interior da panificadora instalada no piso térreo, se conservava ainda «uma escada em caracol, de pedra, de bom tipo velho, que levava à tôrre da Igreja, escada que bem podia ser a primitiva de S. Pedro» (ARAÚJO, 1993, X, pp. 50-51). A documentação do volume de obra do edifício existente no Arquivo Municipal de Lisboa permite perceber que em 1940 a escada encontrava-se ainda marcada em planta (AML, Processo de Obra 40778), num inusitado local no interior do quarteirão (provavelmente devido à estreiteza do lote de terreno), corroborando a informação de Gonzaga Pereira que afirmar que a «torre he feita de remedio» (PEREIRA, 1927, p. 187). Nas plantas da década de 1980 (numa altura em que o piso térreo já havia sido dividido em dois espaços comerciais diferentes) existentes no mesmo volume de obra, a escada já não se encontra marcada.
Evolução urbanaA diversa cartografia da cidade anterior a 1755 localiza a implantação da Igreja de São Pedro no exacto local onde seria construída o edifício da igreja e hospício de São Rafael. Provavelmente devido a pequena dimensão do lote, a casa religiosa ocupou igualmente um outro lote de terreno contíguo situado no gaveto do Largo de São Rafael e da Rua da Galé, onde provavelmente se localizavam as acomodações dos religiosos, confrontando a norte com um pequeno beco no interior do quarteirão. Assim, as implantações da primitiva Igreja de São Pedro, do Hospício de São Rafael e do prédio de habitação oitocentista correspondem ao mesmo lote de terreno, não influindo qualquer uma destas alterações de construções e ocupação no desenho da malha e vias urbanas contíguas.
Inventário de extinçãoANTT, Inventário de extinção do Hospício de São Rafael, Cx. 2234, http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4696037
Na presença de José Manuel Pereira de Sequeira (Provedor do Terceiro Distrito), a 25 de Maio de 1835 é feito o auto de inventário dos pertences do hospício de São Rafael dos Clérigos Marianos da Imaculada Conceição, dividindo-se em «vazos sagrados» (f. 0015) e «paramentos» (f. 0016-0020). Todos os objectos foram entregues ao padre da freguesia de São João da Praça, António Vieira Borges, «a quem foi entregue tão bem a Igreja do mesmo Hospício com a guarnição dos altares tanto das Imagens como de seus ornatos e utencilios.» (f. 0021)
Efectuada por José Coelho (mestre pedreiro) e João Baptista dos Santos (mestre carpinteiro), data do dia seguinte o auto de avaliação do edifício do hospício e dos prédios que lhe eram propriedade e ficavam contíguos ao seu edifício: os números 112-115 (não é especificado de que rua) que constavam de «lojas, sobrelojas e primeiro e segundo andar tudo de muito pequenos quartos sendo parte occupado pelos Padres e toda a servidão pela Portaria do Hospício tendo mais uma pequena caza com sobreloja e serventia para a rua que faz outro prédio com o numero cento e quinze separado este daquelle pela Ermida que o mesmo Hospicio consta no plano baixo de traz muito pequenas cazas e um primeiro andar com uma caza e varanda para o pateo onde tem parreiras confrontando todo este edificio pelo Norte com cazas de José Pereira. Sul com Largo de São Rafael. Nascente com o Beco sem sahida e Poente com a Rua da Adiça.» (f. 0012). A totalidade das propriedades foi avaliada em seiscentos mil réis.
A 27 de Maio de 1835 é redigido o Auto de Posse, através do qual a Fazenda Pública toma «com effeito a posse ordenada com todas as suas pertenças e mais objectos tanto pertencentes á Igreja com ao uso do Hospício» (f. 0009). Estiveram presentes: José Manuel Pereira de Sequeira (Provedor do Terceiro Distrito), o Padre Manoel Joaquim (ex-Presidente do mesmo hospício), António José Moniz (comissário de Segurança Pública da freguesia de São João da Praça) e o escrivão Francisco José das Caldas Brito Júnior.
1191 Primeira fundação da Igreja de São Pedro. 1344 Segunda fundação da Igreja Paroquial de São Pedro. 1755-11-01 A Igreja de São Pedro ruiu com o terramoto, ficando apenas em pé a parede da parte do Evangelho e uma das capelas. c. 1780 Construção do hospício no local da primitiva Igreja de São Pedro. 1785-10-15 Celebração de um casamento na ermida do hospício. 1823-02-27 Em Consulta da Comissão Eclesiástica da Reforma ao Rei é referido que o hospício tinha cinco sacerdotes e dois conversos, e que não tinha cómodos para mais. 1830-03-02 No resumo das consultas especiais da Junta do Melhoramento elaborado no âmbito do «Plano e Regulamento das Ordens Regulares» determinado pelo Decreto de 7 de Setembro de 1829, é referido que o Hospício de São Rafael, da Ordem dos «Clérigos Regulares da Immaculada Conceição da Virgem Maria Suffragadores das Alma do Fogo do Purgatório», deve ser suprimido, «unindo-se o que lhe tocar e for livre com o Hospicio de Algozo.» 1834-05-30 Decreto de extinção de todas as casas religiosas masculinas das ordens regulares e incorporação dos seus bens nos Próprios da Fazenda Nacional. O Hospício de São Rafael é extinto. 1834-08-19 Portaria do Tribunal do Tesouro Público sobre a venda e o arrendamento dos bens nacionais. Determina que o Perfeito da Província da Estremadura dê orientações para que se proceda à venda dos bens móveis e semi-móveis, excepto os objetos do culto divino, as peças de ouro e prata e as livrarias; e que arrende, por um ano, todos os prédios rústicos e urbanos da Fazenda Nacional. 1835-05-25 Auto de inventário dos bens (vasos sagrados e paramentos) do hospício de São Rafael. Todos os objectos, assim como a igreja, foram entregues ao padre da freguesia de São João da Praça, António Vieira Borges. 1835-05-26 Auto de avaliação do edifício do hospício e dos prédios urbanos contíguos. A totalidade das propriedades foi avaliada em seiscentos mil réis. 1835-05-27 Auto de Posse do edifício para a Fazenda Pública. Século XIX - 2º terço Demolição do hospício e respectiva igreja. Construção no mesmo terreno de prédios de habitação. 1940 Na panificadora localizada no piso térreo do edifício existia ainda a escada de caracol que originalmente dava acesso à torre da igreja.
CartografiaManuscritoMonografia | Hospício de São Rafael | Exterior | Fachada SO. DPC_20150904_112. © CML | DMC | DPC | José Vicente 2015. |
| Hospício de São Rafael | Exterior | Fachada SE. DPC_20150904_116E. © CML | DMC | DPC | José Vicente 2015. |
| Hospício de São Rafael | Exterior | Fachada SO | Pormenor. DPC_20150904_113. © CML | DMC | DPC | José Vicente 2015. |
| Hospício de São Rafael | Exterior | Fachada SE| Pormenor. DPC_20150904_114. © CML | DMC | DPC | José Vicente 2015. |
| Hospício de São Rafael | Exterior | Rua da Adiça. FAN002660. © CML | DMC | Arquivo Municipal de Lisboa. |
Tiago Borges Lourenço - 2015-02-25 Última atualização - 2020-08-26
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