Ficha de Casa Religiosa
    
Designação
Hospício de Nossa Senhora da Conceição

Código
LxConv014

Outras designações
Enfermaria dos Religiosos da Província da Arrábida

Sumário
O Hospício de Nossa Senhora da Conceição, de religiosos Arrábidos, foi fundado em 1542 e estava sedeado no edifício do Hospital Real de Todos os Santos, onde se manteve até 1755. Destinava-se a tratamento de religiosos enfermos e a residência temporária de frades e missionários.

Caracterização geral
Ordem religiosa
Ordem dos Frades Menores. Província de Santa Maria da Arrábida

Género
Masculino

Data de fundação
1542

Descrição
Enquadramento histórico
A Província de Santa Maria da Arrábida, procedente da Santa Província de Observância de Cartagena, iniciada em 1378, foi instituída pelo padre frei Francisco Zamora, a instâncias do cardeal conde D. Henrique, a 22 de dezembro de 1560.

A sua génese firma-se em 1540 quando frei Martinho de Santa Maria, favorecido por D. João de Lencastre, 1º duque de Aveiro, se estabeleceu na serra da Arrábida. Em 1542 o hospício de religiosos arrábidos já estava instalado no edifício do Hospital Real de Todos os Santos, para cuidado exclusivo dos frades capuchos da Arrábida. A integração da enfermaria ou hospício dos arrábidos decorreu da intervenção do infante D. Luís, filho de D. Manuel, a favor de frei Martinho que aí acabaria por falecer em 1547.

Integrado no complexo hospitalar, o hospício consistia numa enfermaria destinada a tratamento de religiosos enfermos, prelazia e residência e numa vigararia de oito casas, chegando a ser local de realização de congregações e capítulos da Província. Neste espaço acolhiam-se os frades esmoleres, os frades que vinham tratar de negócios da Província, incluindo o Provincial e outros hóspedes que se deslocavam a Lisboa em representação dos seus conventos, os que viajavam ou regressavam das possessões ultramarinas e os pregadores que vinham pregar à cidade.

Segundo um documento do século XVIII sobre a precedência nas procissões dos conventos de Santo António e de São Pedro de Alcântara, o sustento do Hospício dos arrábidos contemplava "no dito hospital não só os enfermos, mas todos os mais religiosos que nele assistiam, têm tudo o que lhes é necessário, sem mendigação alguma, porque a tudo lhes assiste a mesa da Fazenda do Hospital Real com mão larguíssima [...]" (ANTT, Província de Santo António, Documentos Vários, Sem título 1598-1830, mç. 8, macete 6).

Não obstante a pretensão da Província, não foi elevado a mosteiro, apresentando-se como argumento discordante, entre outros, o elevado número de conventos da Província da Arrábida existentes nas imediações de Lisboa, donde provinham os enfermos tratados no hospício. Era essa a sua principal função, o tratamento dos "que enfermarem em os conventos de São José de Ribamar, Santa Catarina, Boa Viagem, Sintra, Loures, Conceição, Verderena, Palhais, Caparica e os que de Salvaterra puderem vir, serão todos levados à nossa enfermaria do Hospital Real" (ANTT, Idem). Após o tratamento, eram encaminhados para convalescença na enfermaria do Convento de São José de Ribamar.

Visando o acréscimo de espaço disponível no hospital do Rossio, a Misericórdia de Lisboa, que era a confraria que então administrava o Hospital Real, talvez com o acordo da Província, apresentou em 1617 uma consulta ao Vice-Rei demonstrando os inconvenientes da permanência da enfermaria dos Arrábidos. Excluindo a pretensão de fundar um novo convento, propunham a transferência para um local mais adequado ao tratamento com decência e respeito pela clausura.

O despacho régio foi favorável com a garantia que devido à pobreza dos frades e realização de benfeitorias na enfermaria com o fruto das suas esmolas, o hospital continuaria a prestar assistência com "o físico e nas mezinhas e mais mantimento como fizeram até agora há tantos anos" (ANTT, Província de Santo António, Documentos Vários, Sem título 1639-1833, mç. 9, macete 9). O Desembargo do Paço ficou incumbido de encontrar-lhes o local adequado e "ao pôr da vista", de modo a "serem curados na boa decência e clausura que lhes convém" (ANTT, Idem). A Esperança, nas casas do Duque de Aveiro, os Fiéis de Deus, na horta do Duque de Bragança, S. Vicente, na fundição da artilharia e N. S. Paraíso de Alfama foram os locais sugeridos, propondo o desembargo que o contributo régio para aquisição de local e edificação do hospício, se faria através da cláusula "obras pias", que comummente se acrescentavam nos contratos de arrendamento da casa real (ANTT, Idem, macete 10).

A ordem régia de que a enfermaria se transformasse num local "acomodado em que se fizesse recolhimento e agasalho para os enfermos, oficiais, o padre ministro e mais frades da província que viessem à cidade com ordem de seus prelados (ANTT, Idem, macete 11), sustentou a petição dos frades para a elevação a convento. Pretensão que se vai arrastando, pois em 1638 a enfermaria dos padres arrábidos continuava no Hospital Real. Apesar de não dizerem missa ordinária, não fazerem ofícios ou enterramentos, além da ocupação do espaço, ainda recebiam da mesa da fazenda, a cada triénio, para doentes e convalescentes, cento e vinte mil réis e para se vestirem, por ano, cem mil réis.

A princesa Margarida e duquesa de Mântua, regente de Portugal, apesar de a Filipe III "convir não haver tantos", autorizou os padres Arrábidos a erigir mosteiro, apenas desaconselhando o local das "extremas dos religiosos de S. Paulo" (ANTT, Idem, macete 16). Antecipando a publicação da ordem régia, os frades retiram-se da residência do Hospital Real, abrindo um muro entre este e o couto de Mateus, pertencente ao conde de Monsanto, e transferiram o santíssimo sacramento para a sua ermida localizada na via pública do Poço do Borratém.

Instalaram-se na igreja e casas contíguas "levantando-se em forma de convento e mosteiro" e colocaram sino e oficinas "acoutando-se e acastelando-se no dito sítio, dizendo que é certo e que os não hão-de tirar de lá" (ANTT, Idem). As Províncias de São Francisco e Santo António não aprovavam esta fundação pelo prejuízo que poderia causar aos mosteiros mendicantes e recorreram ao Tribunal do Paço, apresentando as últimas razões políticas e jurídicas. Apesar da deslocação de um corregedor que solicitou a apresentação da ordem e licença régia, inexistentes, continuaram com as obras. Com a colocação do santíssimo sacramento na ermida de S. Mateus, passaram a dizer missa e a rezar o ofício divino em comunidade, constituindo portaria com campainha e grades no interior (ANTT, Idem, macete 5).

A transferência foi embargada na chancelaria, recebendo notificação para sair no espaço de oito dias e ordem de reposição no estado em que estava antes, sob pena de serem excomungados por desobediência.

Entre as razões políticas e jurídicas apresentadas pela Província de Santo António para a não fundação de mais este convento em Lisboa, avultava a grande dificuldade na angariação de esmolas, pela multiplicação dos peditórios de vários mosteiros, não podendo os seculares "acudir-lhes com as esmolas porque as repartem pelos outros mendicantes que pediam hostiatim" (ANTT, Idem, macete 6).

Segundo a sua exposição, os padres arrábidos pediam esmola de alforge três dias na semana, segundas, sábados e domingos e conforme a necessidade saiam também nos outros dias da semana a pedir para se remediar "donde vem, encontrarem-se em os mesmos dias e nas mesmas ruas, em um mesmo tempo, quatro e cinco frades a pedir esmola e lhe diz o povo que não pode dar a tantos, e vem a ser confusão e importunação o que haveria de ser caridade e amor de Deus" (ANTT, idem). Desconhecem-se as circunstâncias do regresso do hospício ao Hospital Real de Todos os Santos.

Uma procuração de 11 de Março de 1695 passada pelo arrábido frei Daniel de Santo António a um morador em Goa, também arrábido, a fim de tratar da arrecadação dos bens de um seu irmão falecido nesse local e pô-los em depósito por interesse de outro seu irmão, o padre Elói de Freitas, morador no sertão de Pernambuco comprova a permanência do hospício no complexo hospitalar (ANTT, 15º cartório notarial de Lisboa, mç. 412).

O terramoto e incêndio de 1755 destruiu quase integralmente o Hospital Real de Todos os Santos, mas as obras de reedificação iniciaram-se quase de imediato. Desconhece-se o paradeiro da enfermaria até 1758, ano a que reporta um inventário manuscrito da Biblioteca do Palácio de Mafra, dando conta da operacionalidade na nova estrutura da enfermaria dos frades franciscanos da Província de Santa Maria de Arrábida. Aí permaneceu até ao encerramento do hospital no Rossio, em 1775.

Cronologia
1378 Início, em Castela, da Santa Província de Observância de Cartagena.
1540 Estabelecimento de frei Martinho de Santa Maria na Serra da Arrábida.
1542 Hospício de religiosos Arrábidos no Hospital Real de Todos os Santos.
1547 Falecimento de frei Martinho de Santa Maria no Hospício dos Arrábidos.
1560-12-22 Instituição da Província de Santa Maria da Arrábida pelo padre frei Francisco Zamora, a instâncias do cardeal conde D. Henrique.
1618-02-02 Petição dos religiosos da Província de Arrábida para fazer convento em Lisboa.
1618-02-02 Consulta do Provincial da Província de Arrábida sobre o lugar para onde se deveria mudar a enfermaria sita no Hospital Real de Todos os Santos.
1638 Carta dos religiosos de Santo António protestando contra os frades da Província da Arrábida por tentarem criar um convento em Lisboa.
1638-11-01 Cópia de carta do procurador da coroa para o monarca (Filipe III de Portugal) a solicitar que os Padres Arrábidos fossem impedidos de fundar convento sem licença.
1647-12-04 Em Capítulo Provincial realizado no hospício frei Luís da Ascensão é eleito Provincial.
1651-01-22 Celebração do Capítulo Provincial no hospício. São eleitos os guardiães e presidentes para os conventos.
1695-11-03 Procuração do arrábido frei Daniel de Santo António a um morador em Goa.
1755-11-01 Destruição do Hospital Real de Todos os Santos pelo terramoto e incêndio.
1758 Regresso da enfermaria dos padres arrábidos ao Hospital Real de Todos os Santos.
1775 Encerramento do Hospital Real de Todos os Santos no Rossio.

Fontes e Bibliografia
Material gráfico

BRAUNIO, George - Panorâmica de Lisboa. Museu de Lisboa [c. 1598].

Cartografia

FAVA, Duarte José; - [Carta Topográfica da cidade de Lisboa preparada em 1807]. 3 plantas. 2305-2-16-22.

[Planta topographica, e exacta do Sitio, que comprehende a Ilha em que estava edificado o Hospital Real de Todos os Santos desta Cidade, o Convento de São Domingos e Cazas asim do Ill.mo e Exm.o Marquês de Cascaes, como as dos particulares [ Material cartográfico] / a qual foi tirada na prezença do Sargento Môr Philippe Roiz de Oliveira, pello Ajudante Guilherme Joaquim Paês de Menezes, e o Discipulo Thomas Roiz da Costa a que assiatirão também outros Discipulos do dito Sargento Môr, e que se finalizou a 9 de Dezembro de 1750]. D. 100 R..

Manuscrito

15º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas. [Manuscrito]11 de Março de 1695. Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Livro 412, Cx. 79, f. 13v..

Documentos Vários, Sem título 1598-1830. [Manuscrito]Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Ordem dos Frades Menores, Província de Santo António, Província, mç. 8, macete 6.

Documentos Vários, Sem título 1639-1833. [Manuscrito]Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Ordem dos Frades Menores, Província de Santo António, Província, mç. 9, macete 5, 9, 10, 11 e 16.

Monografia

AMORIM, Maria Adelina de Figueiredo - A missionação franciscana no estado do Grão-Pará e Maranhão (1622-1750). Agentes, estruturas e dinâmicas. Volume II: Tese de Doutoramento em História (Especialidade: História e Cultura do Brasil). Lisboa: Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, 2011.

CASTRO, João Bautista de - Mappa de Portugal Antigo e Moderno. Lisboa: Oficina Patriarcal de Francisco Luis Ameno, tomo terceiro, parte V, 1763, p. 522.

CONCEIÇÃO, Fr. Cláudio da - Gabinete Histórico [...]. Lisboa: Na Impressão Régia, tomo XI, 1827.

CONCEYÇÃO, Fr. Apollinario da - Claustro Franciscano, Erecto no Dominio da Coroa Portuguesa e estabelecido sobre dezeseis venerabilissimas columnas. Expoem-se sua origem, e estado presente. Lisboa Occidental: Na Offic. de Antonio Isidoro da Fonseca, 1740, p. 116.

FREIRE, João Paulo - Lisboa do meu tempo e do passado, Do Rossio ao Poço do Borratem. Lisboa: Tipografia da Empresa Nacional de Publicidade, 1939.

MARIA, Fr. Joseph de Jesus - Espelho de Penitentes, Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida [...], [Tomo Segundo]. Lisboa: Na Officina de Joseph Antonio da Sylva, 1737, pp. 246, 257, 260, 454-455 e 459.

Electrónico

O Real Hospital de Todos os Santos: do terramoto à demolição (1755 - 1775) I.

Material Fotográfico
Hospício de Nossa Senhora da Conceição | Panorâmica de Lisboa.

Inventariantes
Delminda Rijo - 2015-08-20
Última atualização - 2019-05-17

Imagens: 1